quinta-feira, 21 de outubro de 2010

As marcas do tempo

Em Nova Iorque, onde nunca fui, as polémicas do momento envolvem o ramo da construção civil. Uma prende-se com a eventual construção de um arranha-céus a dois ou três quarteirões do Empire State Building, e quase com a altura deste. O facto de o desenho do novo edifício pertencer aos autores das maléficas torres Petronas, na Malásia, já permitia antecipar o pior. Os esboços divulgados antecipam pior do que o pior: é o mesmo que erguer a Gare do Oriente junto aos Jerónimos, com a agravante de o hipotético rival do Empire State ser mais feio do que a Gare do Oriente e o Empire State ser mais bonito do que os Jerónimos.
Sonho chegar a Nova Iorque pelo aeroporto JFK (via Newark, dizem-me, a perspectiva não é tão privilegiada) e esperar por aquele pedacinho de estrada em Queens que descreve uma lomba e revela gradualmente o Empire State, do topo para as zonas baixas onde os restantes prédios lhe prestam justa vassalagem.
Não deve haver outra imagem urbana assim poderosa, nem outro símbolo tão perfeito da doce demência que é Manhattan e do milagre que sempre me parece estar em Manhattan. Preferia que não me arruinassem a simbologia com entulho, mas é pedir muito.
A segunda polémica, infelizmente com maior impacto do que a primeira, prende-se com a construção da famosa mesquita nas imediações do Ground Zero. Apesar da discórdia, a ideia é engraçada. Obama opinou sobre o assunto e lembrou a liberdade de culto, embora provavelmente se estivesse a referir a outro culto.
Obviamente, estou a favor da mesquita. Desde que, conforme se sugeriu no blogue O Insurgente, a dita acabe rodeada por sinagogas, templos evangélicos, pregadores de rua, sex shops, travestis, corretoras, franchises de fast-food, uma produtora de pornografia e duas associações feministas a sério. Se a América é tolerância, convém tolerar completamente. Excepto a aberração que ameaça ensombrar o Empire State.