quinta-feira, 27 de maio de 2010

Um Homem também chora ( por mais frio que seja... )

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Somos analfabetos?

O senhor Breton acreditava que a realidade era complicada devido aos analfabetos estarem sempre a perguntar, frente a uma frase escrita: o que é que isto quer dizer? *

Há dias, pouco antes do jantar, tropecei numa estranha reportagem sobre a estranha vida de algumas pessoas numa estranha instituição: o Hospital Júlio de Matos, ou, mais vulgarmente apelidado de “Hospital dos Malucos”. Ou, como agora se chama, “Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa” – parece que agora é mais chique chamar “Centro” ou “Central” a qualquer instituição ou serviço. (Dá-lhe importância, acho eu.)

Pense o leitor, por um instante. Não naquela coisa do centro, que daria mais que falar do que pensar. Pense o leitor, portanto, por um instante, que tinha de visitar aquela instituição, digamos, por exemplo, por uma tarde. Que ideias lhe atravessam o espírito?

A. « Sim, por que não? Deve ser uma experiência enriquecedora, conhecer as histórias das pessoas que lá estão, entrar um pouco no seu mundo e tentar percebê-lo, ...»
Hum..., talvez seja muito atrevimento da minha parte, ou cinismo, ou até pessimismo: quem é que tinha coragem para passar lá duas horitas que fosse?

B. « Por que raio iria eu agora até ao Júlio de Matos?! Não tenho lá nenhum familiar, não trabalho naquela área nem tenho nenhum interesse em particular, ...»
C. «Não sei se teria coragem para entrar num sítio daqueles, ...»

De facto, com a vida que nos vai levando nos dias que correm, uma visita àquele sítio seria quase irracional. Mas, por outro lado, já que seria irracional, estaríamos no sítio certo...
E se nos internassem?
E se ficássemos num estado intermitente entre a loucura e a sanidade, sem que nunca ninguém acreditasse em nós quando disséssemos “Eu não estou maluco!”?
E se perdessemos o contacto com o mundo cá fora durante os melhores vinte anos da nossa vida? E se ficássemos todos os dias à porta, à espera de uma visita que nunca mais chegasse?
E se aquele sítio, com aquelas pessoas vestidas de branco e as outras, se tornassem o nosso mundo, a nossa família, o nosso presente e futuro, aquele em que estaríamos perfeitamente encaixados, e tudo o resto deixasse de ter importância?
E se, depois, todo esse nosso mundo terminasse quando o Hospital deixasse de ser Hospital, para onde iríamos? O que faríamos?

O que é que isto quer dizer?

São as perguntas complicadas que complicam a realidade. Sem perguntas a realidade seria simples – pensava o senhor Breton. *
Mas a realidade não bastava, faltava a outra metade: a reflexão. *

E a reflexão, essa, deixo-a a cargo do leitor.

* Transcrições de O Senhor Breton e a entrevista, de Gonçalo M. Tavares

Torre de Marfim

Olhamos para os jardins vazios, vemos os baloiços nos parques infantis estáticos e os cafés “às moscas”. As pessoas não convivem como outrora conviviam. Deixaram de frequentar espaços públicos e passaram a refugiar-se nas suas casas fortes, nos seus ninhos impenetráveis, nas suas quatro paredes, cujas muralhas aparecem-nos como intransponíveis.
Por falta de tempo, devido ao aumento de criminalidade ou por qualquer outro motivo, tendemos a fechar-nos em casa e a trazer para dentro dela tudo o que encontrávamos lá fora. Compramos máquinas de café altamente especializadas para não termos de nos deslocar ao estabelecimento da esquina. Não podemos perder tempo! Construímos baloiços nos nossos jardins porque o parque infantil fica fora de mão na rota para o escritório. Há até casos de pessoas que constroem nas suas habitações salões de cabeleireiro, cinemas, saunas, spas, etc etc…
É normal que gostemos de ter junto a nós aquilo de que gostamos, mas deixa de ser saudável quando nos fechamos na nossa torre, mesmo que essa torre esteja provida das melhores condições, não deixa de ser uma prisão de marfim…
Por mais confortável que seja o nosso cinema em casa, nunca terá o cheiro das pipocas característico dum cinema normal. Por mais bom que seja o café que a nossa máquina tira, nunca terá o mesmo sabor que a “bica” no estabelecimento da D. Joaquina acompanhado por dois dedos de conversa com quem passa. Por mais poder que ter todos estes luxos nos traga, mais cedo ou mais tarde vamos perder os laços que nos unem as pessoas com quem costumávamos conviver nos espaços públicos e de que nos serve todas estas regalias se não temos com quem as partilhar?
Nessa altura devemos convidar a solidão para assistir a um filme…

sexta-feira, 21 de maio de 2010

O caso da professora de Mirandela 'visto' por Ricardo Araújo Pereira

Na qualidade de antigo aluno, a notícia da professora de Mirandela que posou nua na Playboy deixa-me indignado: no meu tempo não havia professoras destas. Na qualidade de cidadão que já foi capa da Playboy, o facto de a professora ter sido suspensa faz com que esteja solidário: nós, as coelhinhas, devemos unir-nos. Devo dizer, aliás, sem querer ser corporativista, que, se eu mandasse, todas as professoras posariam nuas na Playboy. O Ministério da Educação continua entretido com programas e avaliações e ignora aquilo de que o nosso sistema educativo precisa: professoras nuas. Primeiro, por uma questão de disciplina. Nenhum aluno arrisca a expulsão da sala onde lecciona a Miss Fevereiro.
Segundo, por razões de concentração no estudo. Qualquer jovem aluno já deu por si a imaginar a professora sem roupa. Eu não fujo à regra, e aproveito a oportunidade para pedir desculpa à Irmã Genoveva. Mas os alunos de professoras que posam na Playboy não perdem tempo com distracções dessas: não precisam. Se querem ver a professora despida, abrem a revista na página 49. Na sala de aula, concentram-se na compreensão da matéria.
Terceiro, para conseguir o desejado envolvimento da comunidade no processo educativo. Os encarregados de educação mais desinteressados passam a frequentar todas as reuniões de fim de período: os pais desejam ver a professora; as mães desejam verificar se os pais não se entusiasmam demasiado com o visionamento da professora. Padrinhos que não vêem o afilhado desde a pia baptismal virão de longe para se inteirarem do aproveitamento escolar do miúdo.
Infelizmente, a vereadora da Educação da Câmara de Mirandela pensa de outro modo. A exibição pública voluntária do corpo nu está interdita às docentes. Não se sabe a que outras profissões se alarga esta inibição. Canalizadoras podem posar sem roupa sem desprestigiar o nobre ofício de vedar uma torneira? Empregadas de escritório podem deixar-se fotografar nuas sem melindrar os carimbos? Ninguém sabe ao certo, mas parece urgente definir com rigor que outras profissionais estão deontologicamente impedidas de fazerem com o seu corpo o que quiserem.
Mais do que a suspensão, deve colocar-se em causa a recolocação da professora. O receio de alarme social levou a Câmara a retirar a docente do contacto com os alunos e a enviá-la para o arquivo municipal. Ora, o contacto com bibliotecários de óculos grossos que não vêem uma pessoa do sexo feminino nua desde 1977 não será mais perigoso e socialmente alarmante do que o convívio com jovens? Fica a pergunta, para reflexão das autoridades fiscalizadoras da nudez.

Ricardo Araújo Pereira, in Visão de 20 / Maio / 2010

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Como Somos

A sociedade actual caracteriza-se por se basear essencialmente numa interacção entre os meios de comunicação, nomeadamente a televisão, a par com a utilização dos meios informáticos e as redes sociais a eles associados. Todos estes factores conjugados traduzem o modo como a sociedade de hoje em dia vive.

O homem deixou de ser apenas o símbolo de si próprio para passar a ser a representação daquilo que ele lê, do que ele vê e do que ele vive diariamente.
Isto significa que todas as acções que o homem descreve são uma representação de si próprio. Das suas preferências, dos seus gostos, da sua maneira de ver o mundo e interpretar a realidade que nele figura.
O facto de afirmarmos “Eu sou viciada em livros policiais” ou “Não consigo passar sem ver a minha série de eleição!“ diz alguma coisa acerca da nossa personalidade. Ou seja, os traços que nos caracterizam e que caracterizam a nossa maneira de ser estão impregnados às nossas escolhas. A nossa personalidade têm características bem determinadas que, através daquilo que afirmamos ler, ver ou ouvir, levam o outro a interpretar-nos e a descrever, à partida, uma série de conceitos acerca do nosso modo de viver e encarar o mundo.
Os próprios ensinamentos transmitidos por estas formas interactivas de conhecimento, transformam-nos mesmo que inevitavelmente. Há casos em que determinados livros, e experiências neles relatados modificam a nossa forma de ver o mundo e analisar o que nele se passa.

Vivemos num mundo em que somos influenciados por aquilo que nos rodeia. Somos um produto e, ao mesmo tempo, produtor do mundo em que nos inserimos. Aquilo que lemos, vemos e assistimos faz parte do nosso modo de ser. As nossas preferências são indissociáveis do nosso eu. Por mais que se tente fingir, numa dada altura, tudo o que representamos vem ao de cima.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Futebol

Em Portugal as pessoas deliram com o futebol. Se a sua equipa, ou mesmo a selecção nacional, ganha um jogo, o povo esquece a crise, os problemas na educação, as listas de espera na saúde, as notícias de calamidades, etc etc.
Decerto todos se lembram do fenómeno que foi o Euro 2004. Nunca o país tinha tido tantas bandeiras expostas, e tudo em honra da selecção! É impressionante a força que um desporto tem sobre uma nação inteira. Para mim é revoltante e triste saber que se tenham gasto rios de dinheiro na construção de estádios e infra-estruturas e ainda existam lacunas tão graves a preencher nos sistemas de saúde e educação. Todos os dias assistimos na televisão às intermináveis listas de espera nos hospitais. E nas escolas? Nos estabelecimentos de ensino pelo país fora as crianças gelam ao frio. Serei a única a ver que tanto dinheiro foi mal empregue? Desculpem, lembrei-me que este país vive de aparências. Esqueci-me que vivemos num país onde a hipocrisia é tanta que existem bairros de lata onde a droga e a prostituição são a forma de rendimento, e onde o desemprego é cada vez maior. Devia ser considerado crime, o mau emprego dado ao dinheiro. Afinal, se é a custa dos impostos que o povo paga, devia também ser o povo a decidir que fim lhe dar. Os imponentes estádios eram só “para inglês ver”. Como a expressão denuncia, isto significa que a beleza e a magnificência das infra-estruturas escondem um Portugal cheio de podres, cheio de fraudes e esquemas obscuros. Antes de traduzir uma imagem que não nos representa, deveríamos antes preocupar-nos em “limpar a casa” e não esconder a poeira para debaixo do tapete.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Pequenas coisas que fazem a diferença

Acontece frequentemente comigo. Uma música, um filme, um livro, uma fotografia, uma pessoa.

Há períodos em que me apego a um, mesmo sem deixar de lidar com os outros. E a sensação que isso provoca é tão boa. É uma surpresa emocional que acontece, vez ou outra, e me faz reavivar a alegria de acreditar que somos feitos de mais do que planos, projectos, rótulos, desapontamentos. Que há espontaneidade das boas em nós, e ela é que nos tira do desfecho de nos transformarmos em marionetes do que reza, nem sempre com sabedoria a realidade nua.

Com uma única música eu sou capaz de passar dias com o coração transbordando, abarcado por emoções diversas. Nem sempre são canções de amor, na verdade, muitas vezes são canções sobre o que nos leva a reconhecer o amor: respeito, companheirismo, fé na liberdade e em cada batalha travada pacificamente por ela.

E uma pessoa pode mudar o meu rumo, apenas sendo ela mesma, sem frases de impacto ou com a grandiosidade dos seus pensamentos estampada na simplicidade da sua oratória. Conquista-me aquele que sabe dizer as coisas que sente sem torná-las vedetas, como se somente ele sentisse aquilo. E também aquele que sabe dizer em silêncio.

Engraçado como tantos outros experimentam de sentimentos que julgávamos inéditos e particulares. E não fosse assim, não nos reuniríamos em favor de grandes causas, nem mesmo resolveríamos as pequenas, porém incrivelmente complexas questões. Apesar de a nossa identidade emocional nos definir únicos, ela é formada por sentimentos quase sempre compartilhados. O que dói em mim pode doer em qualquer um. O que me faz feliz, pode dar motivos de sobra a alguém para compreender a vida de uma forma mais branda e positiva.

Há magia na vida, não? A despeito de todos os seres encantados, dos crentes em espíritos ou a ausência deles, e até dos mágicos de cartola. Naquele olhar que observo nos filmes e que dá tantos motivos para acreditar nessa magia que agrupa desejos. No livro que folheei e me fez ler o mesmo parágrafo várias vezes, não por não compreendê-lo, mas porque havia a beleza na crueza das palavras. A fotografia estampada na exposição que quase ninguém visitou. Ainda o filme da menina com cancro que sensibilizou. A música que fala da amizade e do amor… tudo faz ver o quanto um simples objecto nos trás memórias e desejos.

Esta crónica é baseada numa outra mas achei tão sentida e que retrata o que sinto quando leio, ouço e vejo um livro, uma música e um filme respectivamente que tinha de falar dela.

Como coisas simples como um livro ou uma musica nos podem mudar e dar sentido à vida...xD

Liliana

terça-feira, 4 de maio de 2010

O Cantinho do Hooligan

A derrota do Benfica com o Porto não me deixou abalado. O que verdadeiramente me deixou fulo foi a quantidade de derrotas num dia só: 0-4 em adeptos detidos, 0-1 em treinadores expulsos do banco, 0-1 em jogadores expulsos. Todavia, nem tudo foi mau, também ganhámos em alguns aspectos: 1-0 em objectos atirados aos treinadores e 1-0 em isqueiros atirados a jogadores à entrada do túnel. Por pouco não empatámos...

domingo, 2 de maio de 2010

O Dia da Mãe

Não é fácil ser mãe. Vejo em casa, sei do que estou a falar. Numa corrida sem linha de chegada, acordo com a Mãe acordando com o grito do João, no outro quarto: "Mãe! Acordei!". E eis que está dada a largada. O dia começou. Ainda cambaleando de sono, a Mãe levanta-se e vai acolhê-lo. Logo depois, é a vez da Sofia, que, mais independente, corre para a sala. Minutos depois, estão os dois no sofá a tomar o pequeno-almoço. A Mãe, já desperta, apressa o passo para esticar ao máximo o seu tempo com os filhos.
Na mesa da sala, ela toma o café e passa os olhos no jornal. Enquanto ouve o João falar até perder o fôlego sobre as histórias que inventa, escolhe a heroína para a brincadeira da noite e precisa correr ainda mais para se arranjar e chegar ao trabalho a horas.
Enquanto troca de roupa, as crianças entram no quarto e pulam na cama. Falam sem parar. Por vezes, o João entusiasma-se. Aí, ela fica nervosa, pede para que parem. Nem sempre é atendida, até que, desolada, olha na minha direção como que implorando para que eu faça algo. Qualquer coisa, diga-se. Desde que os faça voltar a pôr os pés no chão. Se não faço, o seu olhar fuzila-me. Ás vezes faço. E às vezes não faço, deixo-os pular. Afinal quando vão poder fazer isso de novo?
Com um suspiro, ela deve pensar algo como: "Essas crianças!". Mas é isso mesmo. Somos todos meninos. Uns mais velhos, outros nem tanto. No meio da confusão, ela consegue, nunca sei como, arrumar-se de forma impecável. O que sei é que ela já está pronta, que o João logo estará pronto com a mochila às costas e que a Sofia está lá no quarto dela revirando as gavetas em busca da combinação de cores que julga a ideal para o seu dia. "Sofia querida, essa não combina!". Das gavetas, tira uns jeans pretos e procura no fundo uns ténis da mesma cor. O embate é longo, e lá está a Mãe usando toda a sua psicologia e retórica em busca de um acordo satisfatório para ambas.
Geralmente, sou eu quem leva o João à escola. No entanto, sei que, se pudesse, a Mãe o faria com o prazer genuíno. Quando isso não acontece, temos uma espécie de pausa, quando ela está no trabalho e os pequenos na escola. No início da noite, com todos de volta ao lar, vejo-a ainda encontrar forças para abraçá-los à porta de entrada, contar uma história da carochinha enquanto os alimenta, conversar com o João sobre faraós, folhear a enciclopédia de dinossauros, dar vida à heroína combinada durante a manhã, brincar com algum jogo, vestir os pijamas, escovar os dentes, contar mais uma história até que os coloca para, enfim, dormir. Vejo-a então deixar o quarto dos garotos com os olhos semi-cerrados, esforçando-se para se acostumar à luz da sala. No sofá, senta-se ao meu lado. Está cansada, mas tranquila. Os seus meninos dormem como anjinhos no quarto do fundo. Dificilmente há alguém no mundo mais feliz do que ela naquele momento.